Deep research: um "doutor de bolso" para suas pesquisas?
Saiba o que pesquisa profunda pode oferecer a educadores

Bem-vindos a mais uma edição da IAEdPraxis, sua fonte de informação para explorar os caminhos da Inteligência Artificial aplicada à Educação. Esta semana, conforme prometido, ampliamos a análise sobre os usos e limitações de ferramentas de pesquisa profunda, como o NotebookML.
IA em Foco
Por Marcelo Sabbatini
Desde o final de 2022, quando o ChatGPT 3.5 abriu as portas da Inteligência Artificial Generativa para o grande público, professores e educadores foram puxados para o centro deste debate – muitas vezes, diga-se de passagem, com mais perguntas do que respostas.
Nessa primeira onda de experimentação, muitos nos aventuramos em solicitar ao ChatGPT (e mais tarde, a seus concorrentes) as mais variadas tarefas, com diferentes graus de sucesso. Aprendemos sobre limitações como a falta de veracidade, as invenções de fontes (alucinações) e a incapacidade de ir além do que foi "aprendido" em seu imenso, mas estático e opaco, conjunto de dados de treinamento. Junto ao texto "chocho" produzido, "pesquisar sobre X" resultava em uma compilação plausível, mas superficial e sem fundamentação sólida.
Contudo, de lá para cá, as capacidades tecnológicas evoluíram. E a resposta das empresas responsáveis por estes produtos foi direcionar o uso da IA conversacional para um processo fundamental em qualquer área relacionada com o conhecimento: pesquisa, mas uma pesquisa profunda. Deep research, na terminologia atual.
Na atualidade, ChatGPT, Gemini e Perplexity são alguns dos chatbots que já contam com capacidade deep research, além do NotebookLM, especificamente projetado para tal. Diferentemente do uso mais comum, a ideia é utilizar a capacidade analítica da IA para auxiliar no processo de investigação, análise e síntese de informações a partir de fontes específicas e controladas. Enquanto o antigo ChatGPT 3.5 opera segundo um conhecimento geral internalizado (e, por isso, muitas vezes incontrolável e inverificável em suas fontes), as ferramentas de deep research são programadas para interagir diretamente com os dados que o usuário lhes fornece.
A diferença principal, portanto, reside no foco e na natureza da interação. Um chatbot "tradicional" é, primordialmente, um gerador e um simulador de conversas. Busca responder às perguntas ou instruções, gerando texto coerente baseado nos padrões aprendidos. Já um aplicativo de deep research é um analisador e um sintetizador, focado em conjuntos de informações específicas. Você não está apenas "conversando" com um modelo sobre um tema; você está pedindo ao modelo para processar, extrair, comparar, estruturar e analisar documentos, artigos, livros, bases de dados ou outros materiais.
Essa distinção é significativa. Ela nos move da ideia da IA como substituta do trabalho de escrita para uma de ferramenta de amplificação de nossas capacidades de análise e compreensão de informação complexa. Para educadores que lidam constantemente com a necessidade de se atualizar, preparar materiais didáticos, analisar pesquisas e orientar estudantes em suas próprias pesquisas, oferece benefícios que vão além da superficialidade dos chatbots conversacionais que conhecemos até aqui.
Com isso, o lançamento destas ferramentas foi acompanhado de muito hype, como o frequente uso da expressão "nível PhD", em relação às habilidades de pesquisa e raciocínio que seriam capazes de alcançar. Um "doutor de bolso", em suma.
Mecânica de deep research com IA
Seja pelos documentos enviados pelo usuário, seja por acessar bases de dados e repositórios de informação através de busca Web em tempo real, os algoritmos de pesquisa profunda indexam, descobrem a estrutura (capítulos, seções, parágrafos) e, o mais importante, explicitam a relação entre ideias dentro desse conjunto limitado e controlado de informações. O resultado é um relatório extenso e estruturado, contendo as referências utilizadas já formatadas.
O que isso significa na prática? Várias possibilidades:
Análise contextualizada, com perguntas complexas e respostas baseadas apenas no que está presente neste material, com indicação da fonte exata (qual documento, qual página ou parágrafo). Isso reduz o risco de "alucinações" ou informações genéricas descoladas do seu material de estudo.
Síntese e resumo direcionados, com a possibilidade de comparação resumida de ideias presentes em diferentes textos.
Extração estratégica, com a identificação dos conceitos-chave, argumentos principais, metodologias usadas em pesquisas, ou até mesmo citações relevantes no conjunto de fontes.
Organização e conexão, com a estruturação do conhecimento partir dos materiais lidos e das conexões entre diferentes pontos de vista presentes nas referências.
A interação com a informação não se limita apenas a texto. Algumas dessas plataformas já exploram capacidades multimodais. O NotebookLM ou o SciSpace oferecem a funcionalidade de gerar podcasts a partir da análise. Isso abre novas portas para consumir e interagir com o conteúdo de forma diferente, seja para revisão pessoal ou para pensar em formatos de apresentação para alunos.
Importante ressaltar também que o conceito de deep research com IA não se restringe apenas ao universo acadêmico. Qualquer tipo de corpus documental extenso e complexo – relatórios técnicos, estudos de marketing, documentação legal, etc. – podem ser analisados com as capacidades analítica da IA, gerando interesse para para setores empresariais. A possibilidade de colaboração, através do uso por equipes, é outro atrativo para este público.
Por isso mesmo, modelos de pesquisa profunda estão sendo anunciados com custos na casa de dezenas de milhares de dólares por mês, evidenciando seu direcionamento para o mercado. E por tabela, levando a questionamentos sobre democratização de acesso e equidade no uso da IA.
Na prática: exemplos e aplicações para educadores
Passada a euforia (ou o susto) inicial com os chatbots conversacionais, seguida da decepção em relação a suas capacidades, o conceito de deep research acena para um uso com sentido. No campo acadêmico e pedagógico, as possibilidades de facilitar o trabalho intelectual são:
Revisão de literatura, sobre um conjunto de documentos para a extração de metodologias, principais achados, autores citados, entre outros. Dezenas de artigos podem ser carregados e identifique pontos de divergência ou convergência entre autores, para que este "superleitor" sintetize e esquematize o essencial, para leitura posterior.
Preparação de aulas e materiais didáticos, a partir dos textos-base de uma disciplina, enfatizando os conceitos centrais, argumentos, exemplos práticos, glossário de palavras-chave e linhas do tempo. Como vimos, o NotebookLM também gera guias de estudo, com séries de perguntas e temas de ensaio para uso na avaliação.
Leitura e análise de documentos complexos, ou textos teoricamente densos. A ferramenta pode ajudar a mapear a estrutura argumentativa e possibilitar uma primeira compreensão do material.
Suporte à escrita acadêmica, embora nunca o texto gerado por IA deva ser utilizado diretamente (como argumentamos no guia de uso ético, pode ser um auxiliar na fase de organização e estruturação do texto. Ademais, pode identificar passagens que suportem um argumento específico.
Testando
Relato aqui a experiência do consultor Leon Furze com três ferramentas de deep research, destacando limitações significativas. Segundo sua avaliação, de forma geral as ferramentas conseguiram apenas fornecer resumos adequados, porém banais, sem uma análise crítica.
Embora conseguissem localizar alguns artigos de acesso aberto que o próprio autor havia utilizado em sua revisão de literatura, falharam em articular a importância desses trabalhos. Furze conclui que, considerando a capacidade alegada e o custo da ferramenta da OpenAI, seria esperado que ela pudesse realizar julgamentos mais relevantes sobre a importância das pesquisas encontradas.
Estes seriam erros de revisão de literatura típicos de alunos de graduação, como por exemplo o uso de citações literais sem explicações adicionais e conclusões superficiais. Portanto, longe de atingirem o nível de um doutor.
Ao final, ele se pergunta: para quem são estas ferramentas?
Então não é para profissionais que usam pesquisa, não é para acadêmicos produzindo novas pesquisas, e não é para pesquisadores em início de carreira sintetizando pesquisas existentes.
A única conclusão a que eu poderia chegar é que é uma aplicação para empresas e indivíduos cujo trabalho é produzir relatórios longos, aparentemente precisos, que ninguém realmente vai ler. Qualquer pessoa cujo papel inclui o tipo de pesquisa destinada a acabar em um PowerPoint. É projetado para produzir a aparência de pesquisa, sem que nenhuma pesquisa real aconteça ao longo do caminho.
Sobre desafios e armadilhas
Embora possam ser entendidas como aliadas na navegação e análise de grandes volumes de informação, esta tecnologia também possui suas próprias limitações e dilemas éticos.
Primeiro, é importante lembrar que a IA, mesmo nessa modalidade mais focada, não "compreende" verdadeiramente o conteúdo no sentido humano. Ela opera por padrões, correlações e probabilidades. Isso significa que:
Dependência da qualidade da entrada, pois a análise será tão boa quanto os documentos carregados. Informação incompleta, imprecisa ou mal formatada resultará em análises frágeis ou equivocadas. O trabalho de curadoria e seleção dos materiais continua sendo responsabilidade do usuário. Importante notar que as buscas não possuem acesso a conteúdo protegido por paywalls, o que ocorre com as publicações das grandes editoras científicas.
Limitação ao corpus fornecido, sendo que se uma ideia relevante para o seu tema não estiver nos documentos carregados, não será considerada.
Risco de superficialidade, pois mesmo ao gerar respostas que pareçam profundas e contextualizadas nos documentos, a ferramenta pode não captar nuances, ironias, subtextos ou o conhecimento tácito que um ser humano com experiência na área possui. O risco de aceitar a síntese da IA como produto final é uma armadilha.
Custo: embora a Perplexity Deep Research esteja disponível com uso limitado no modo gratuito, a Google Gemini Deep Research demanda um plano Advanced (R$ 96,99/mês). Por sua vez, a Deep Research do ChatGPT/OpenAI somente está disponível plano Pro), com custo de 200 dólares mensais. Ou seja, pode ser um investimento bastante alto.
Além dessas limitações, as preocupações éticas comuns a qualquer aplicação de Inteligência Artificial também se aplicam: privacidade e segurança de dados, viés cognitivo e falta de transparência, respeito à propriedade intelectual, integridade acadêmica e uso por estudantes.
Ao falar de pesquisa profunda não podemos nos esquecer que a discussão sobre IA na Educação não é apenas sobre a ferramenta mais recente e seu potencial para aumentar a produtividade. É sobre para que usamos a tecnologia, como garantimos que ela sirva aos propósitos pedagógicos e quem mantém o controle.
Ferramentas de deep research não substituem a nossa capacidade de discernimento ou de conectar a informação examinada com a nossa própria experiência e conhecimento prévio. Neste momento, creio que devem ser entendidas como amplificadores da nossa capacidade de lidar com a informação.
Sempre me considerei um “early adopter” das tecnologias disponíveis para a educação, mas hoje sinto dificuldade em acompanhar o ritmo dessa evolução. Vejo seus textos como uma curadoria muito útil.
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