Slides gerados por IA: solução ou "enganadê"?
Exploramos as vantagens e limitações da tecnologia para a elaboração de apresentações visuais

Bem-vindos a mais uma edição da IAEdPraxis, sua fonte de informação para explorar os caminhos da Inteligência Artificial aplicada à Educação.
Nesta semana, vamos responder a uma pergunta que não quer se calar: a IA faz meus sllides de aula e apresentações para mim?
IA em Foco
Por Marcelo Sabbatini
A sala de aula fica em silêncio. O professor liga o projetor e abre sua apresentação. Os alunos se ajeitam nas cadeiras, antecipando o que virá em seguida. O primeiro slide surge na tela: um bloco enorme de texto, com letras pequenas. Nenhuma imagem. Suspiro coletivo.
Soa familiar? Será que a Inteligência Artificial pode ajudar professores a criarem apresentações mais eficazes, mais interessantes e com menor esforço? Pelo menos esta é a promessa de várias startups atuando na tecnologia educacional.
Para avaliar se ela fica entre o discurso e uma realidade factível, vamos mergulhar diretamente na prática.
Planejando e estruturando uma apresentação
Mas antes de falarmos em slides gerados por IA, ou mesmo de qualquer tecnologia utilizada para este fim, é interessante revisitar brevemente algumas orientações gerais para a elaboração de uma apresentação.
Basicamente podemos remontá-las à pedagogia diretiva de Herbart, que sistematizou os princípios da "instrução", somando diretrizes mais recentes a partir da psicologia cognitiva. De forma geral, podemos enumerar as seguintes "boas práticas":
Definir os objetivos de aprendizagem
Situar a apresentação num contexto mais amplo, como forma de preparação
Organizar o conteúdo de forma lógica e coerente, partindo do mais geral para o mais específico
Utilizar o princípio "sete mais ou menos dois" em relação ao número de pontos de uma lista
Priorizar elementos visuais sobre texto extenso
Manter a consistência no design e na formatação
Incluir momentos de interação e reflexão
Estabelecer associações com outras informações
Sintetizar o conteúdo buscando uma generalização
Orientar uma aplicação do conhecimento abordado
Após recordar estas orientações, podemos então nos dedicar à prática e explorar as IAs preparadoras de slides.
Ferramentas e plataformas específicas
Anunciadas invariavelmente junto de adjetivos como "revolucionário", "disruptivo" e semelhantes, várias plataformas para a elaboração de slide com base em IA surgiram recente. Por outro lado, plataformas mais tradicionais rapidamente passaram a incluir algum tipo "ajudante de IA".
Entre seus benefícios estão a criação da estrutura e conteúdo de uma apresentação, de forma bastante automatizada. Ainda mais sedutor é a perspectiva de contar com design, layout de slides, imagens e ícones para entregar uma apresentação impactante do ponto de vista estético e visual.
Mas funciona? Bom, somente vamos saber experimentando. Então a partir da agora vou relatar minha experiência com a Decktopus AI.
A plataforma permite a criação de apresentações a partir do "zero" (ou "scratch") e neste ponto não traz grande novidade em relação a competidores como Canva, Prezi ou os pacotes de produtividade. Possui uma diversidade de estilos e vários "templates", com estruturas pré-formatadas.
Mas queremos ver a Inteligência Artificial em funcionamento, não é mesmo? E aqui cabem duas possibilidades, "Criar com IA" ou "Importar PDF".
Optei pela criação e foi aberta uma janela no estilo assistente. O primeiro passo foi definir o tema da apresentação. Escolhi "Interdisciplinaridade e Mídias Digitais na Educação".
No passo seguinte, delimitar a audiência, são apresentadas opções que relacionadas ao tema. Escolhi "educadores e professores de diversas disciplinas"
Terceiro passo, uma nova lista é proporcionada para elaborar o objetivo da apresentação. Optei por "discutir desafios e oportunidades das mídias digitais em relação à interdisciplinariedade".
Em seguida, o assistente apresenta um primeiro "outline", um esqueleto. Há a possiblidade de editar os pontos da estrutura, cabe notar. O resultado obtido, a partir das definições anteriores foi:
O papel das mídias digitais na interdisciplinaridade
Desafios da interdisciplinaridade na prática
Mitos sobre o uso de mídias digitais na educação
Principais pontos a serem considerados
Oportunidades e benefícios da interdisciplinaridade e mídias digitais na educação
Finalmente, o quinto e último passo entra na questão da forma, momento de escolher o tema.
Após alguns segundos, o resultado é apresentado numa janela de edição.
A estrutura foi dividida em dez slides, populados com conteúdos textuais e algumas imagens. Aqui, uma das telas:
Um recurso interessante são as "dicas de slide", também geradas por IA e têm como objetivo "proporcionar uma melhor experiência de apresentação". Entre as possibilidades estão orientações para utilizar "quebra-gelos", "ganchos" e elementos narrativos. Um exemplo de dica foi:
"Ilustre como as mídias digitais podem facilitar o aprendizado colaborativo e a personalização do ensino, apresentando ferramentas e plataformas específicas".
Nada que um professor não pudesse pensar por si só…
E como avaliar a experiência?
Em termos gerais, é decepcionante, pelo menos diante da expectativa de se preparar uma apresentação de slides impactante visualmente, com mínimo de esforço.
Um primeiro ponto a ser observado é que os passos seguidos pelo assistente estão de acordo com as orientações gerais que apresentamos. Ponto positivo para a plataforma neste quesito, incluindo a sugestão de estrutura, lógica e coerente.
Contudo, as sugestões de público-alvo e dos objetivos da apresentação são mesmo um diferencial? Acredito que a maior parte dos professores já tem isso claro, a partir de seus planejamentos didáticos. Infelizmente, devido à limitação dos créditos, não pude testar como o design produzido iria variar (ou não), a partir destas escolhas.
Em destaque, o conteúdo é bastante superficial. Não há o estabelecimento de associações, muito menos analogias e exemplificações. Há uma limitação a afirmações genéricas, com uso intenso de adjetivação para simplesmente ligar os dois conceitos principais. Finalmente, expressões-chavão como "papel fundamental" e referências vazias a "dinamismo" e "inovação" evidenciam o texto gerado por IA.
Em relação à forma, as imagens utilizadas também são bastante genéricas, remetendo a uma estética de banco de imagens. Mais importante, não há uma integração criativa entre imagem e texto. O resultado apresentado não é diferente do que um usuário não-especialista em design gráfico faria.
Importante notar, é possível testar o aplicativo, mas de forma muito limitada. Os créditos iniciais, no momento em que se escreve, são insuficientes para gerar uma apresentação com assistência de IA.
E logo, qualquer apresentação somente poderá ser utilizada dentro da própria plataforma.
Sua versão "pro", com 750 créditos de utilização (25 apresentações), exportação para PDF e PPT, estatísticas de uso, compartilhamento e outras funcionalidades, tem o custo de 24,99 dólares por mês, aproximadamente 137 reais.
Ou seja, excessivamente caro, para um resultado bastante limitado. E ainda com a exigência de se ficar preso à plataforma, com questões como privacidade, preservação e integridade da informação escondidas nos termos de uso.
Numa só palavra: “enganadê”.
Uma abordagem mais "tradicional"
Acredito que o resultado um tanto deprimente da ferramenta específica seja consequência de uma postura epistemológica e ideológica que envolve tantos discursos sobre a IA: automatização em seu máximo possível, removendo o elemento humano do processo.
Ao assumir uma tarefa muito ampla, a ferramenta entrega uma produção genérica, sem as contribuições do que nós professores gostaríamos de abordar e tratar na apresentação.
Dessa forma, uma abordagem que volte a colocar o "human in the loop" (agência humana) proporciona resultados bem mais interessantes. Basicamente a ideia é utilizar um chat de IA generativa em prompts incrementais, passo a passo. O foco desta abordagem não é a aparência e a estética, mas o conteúdo.
Assim, abra o ChatGPT ou seu chatbot preferido e utilize-o para primeiramente planejar e obter ideias. Num segundo momento, você pode pedir para que ele crie os slides, com títulos e tópicos em texto.
Portanto, usar a IA nesta perspectiva pode envolver:
Criar esquemas e estruturas de conteúdo
Gerar ideias para exemplos e analogias
Formular perguntas para engajamento da audiência
Recomendar elementos visuais
Apontar referências adicionais, como vídeos, filmes, músicas
Revisar e refinar o conteúdo existente
Contudo, ainda ficará o trabalho de levar o conteúdo textual produzido para seu software de apresentação. Além do "copiar e colar", as decisões de design ainda ficarão por sua conta.
Comparando
Usar ferramentas específicas de apresentação baseadas em IA tem seu apelo; não é à toa que elas estão recebendo fortes investimentos. Como pontos positivos, teríamos:
Rapidez na criação
Criação de estrutura
Automação na geração dos slides individuais
Consistência visual
Por outro lado, a falta de personalização e uma dependência em relação à plataforma surgem como pontos negativos.
Por sua vez, a abordagem "artesanal" apresenta como vantagens:
Maior flexibilidade e controle sobre o conteúdo
Possibilidade de iteração e refinamento contínuo
Ainda que requeiram mais tempo e esforço manual.
Para usuários mais destemidos tecnologicamente uma alternativa é criar um script VBA (Macro de Basic) que automatize a criação dos slides a partir do texto obtido com o GPT. E claro, a IA também poderia programar este script.
Nota: provei e falhei miseravelmente, utilizando modelos de ponto como Claude e ChatGPT-Ômega. Entretanto, minha solicitação foi para o pacote LibreOffice, o que gerou incompatibilidades que a IA foi incapaz de resolver.
Gerando imagens
Como apoio visual a uma aula, uma apresentação necessita não somente de texto, mas de imagens. Nesse ponto a Inteligência Artificial generativa também tem sido utilizada para que professores possam dispor de recursos imagéticos sem a necessidade de longas buscas ou de se preocuparem com questões direito autoral.
DALL-E, Microsoft Designer, Leonardo.AI, o recentemente anunciado Flux que roda localmente em seu computador, são várias ferramentas disponíveis e que podem ser utilizada para:
Criar ilustrações para conceitos complexos
Gerar infográficos baseados em dados fornecidos
Produzir imagens ilustrativas de alto impacto.

Entretanto, também é preciso levar em conta questões como a alucinação e ocorrência de vieses, comprometendo sua qualidade do ponto de vista pedagógica. Pelo lado estético, a não ser que sejam utilizadas prompts bem elaborados os resultados geralmente apontam para uma mesmo tipo de visual. Essa pasteurização, há evidências, podem inclusive suscitar uma reação negativa por parte de sua audiência.
Acessibilidade: uma obrigação
Já tratamos aqui na newsletter de como a IA generativa pode auxiliar na criação e adaptação de recursos didáticos acessíveis
Mas não custa lembrar, sempre que inserir uma imagem numa apresentação, ela deve conter audiodescrição. Se corretamente exportada, mesmo em formato PDF a apresentação manterá este texto que pode ser lido por tecnologias assistivas.
Mais além, os modelos que permitem o envio de arquivos e que integram a capacidade de "ler imagens" podem ser utilizados para uma revisão e avaliação de acessibilidade. Combinações de cores, legibilidade - incluindo a quantidade de texto - são alguns dos critérios que podem ser analisados.
Ao mesmo tempo que a IA pode ser uma ferramenta auxiliar interessante para a preparação de apresentações, sempre é preciso adotar uma postura crítica quando s trata de uma tecnologia tão nova (e polêmica, em certos sentidos).
Algumas limitações importantes e que merecem atenção:
Risco de homogeneização das apresentações, perdendo o toque pessoal do educador
Possibilidade de erros factuais ou contextuais no conteúdo gerado
Dependência excessiva da tecnologia, potencialmente atrofiando habilidades criativas
Questões éticas relacionadas ao uso de imagens e conteúdos gerados por IA
Potencial perda de conexão emocional com o material, fundamental para o engajamento dos alunos
Concluindo…
As startups com ferramentas específicas ficam bastante aquém de suas promessas. Não se trata de uma limitação técnica, mas de sua concepção como ferramenta de preparação de slide, com uso de Inteligência Artificial que se revela limitado para seu propósito. No final, não substituem um trabalho dedicado e laborioso.
Somando o fato de serem plataformas fechadas, que aprisionam o usuário, e ainda mais com alto custo, considero que elas não sobrevivem ao "hype" e a alegações do estilo "AI matou o Powerpoint".
Por outro lado, usar chats generativos como apoio nos permitem criar slides e apresentações um pouco mais rápido e um pouco melhor. Porém, o conhecimento pedagógico, incluindo a conexão com o contexto da disciplina, da instituição e do perfil dos alunos, ainda é insubstituível.
Mas não acabou
Minha avaliação, como é possível perceber, ficou limitada a uma única ferramenta. Porém, há outras iniciativas concorrentes, a exemplo de:
E o queridinho dos estudantes, o Canva que incorporou um módulo baseado em ChatGPT.
Caso queira testar, de acordo com nossa postura de experimentação com IA, e publicar sua resenha em nossa newsletter, será um prazer.
Prompt da Semana
Seguindo a temática de apresentação de slides, compartilho um prompt para elaboração de aulas a partir de um texto-base. Para isso, utilize um chat de IA que permita o envio de arquivos ou mesmo o ChatPDF.
Acesse em nossa biblioteca de prompts.
IA em Ação
Um estudo qualitativo com professores mostrou: aqueles docentes que se auxiliam da IA para planejar materiais didáticos (obtendo informações sobre como ensinar conceitos, explorando novas ideias) relatam ganhos de produtividade em termos de carga de trabalho e da qualidade do mesmo.
Já os professores que usaram a IA para criar diretamente materiais prontos não tiveram o mesmo resultado. A pesquisa foi realizada junto a 24 escolas públicas durante o ano letivo 2023-2024, quando a tecnologia ainda era novidade para todos os sujeitos entrevistados..
Momento de Reflexão
Pode ser quadro-negro, retroprojetor, projetor, lousa digital, criado com Inteligência Artificial, ou não. Fica a questão, a tecnologia mudou, mas e a pedagogia?
Queremos ouvir você! Suas ideias e experiências são valiosas para aprofundar esta conversa. Não hesite em compartilhar seus pensamentos, relatos ou dúvidas conosco.