Rompendo barreiras: acessibilidade com IA
Tecnologia a serviço da inclusão e da equidade na Educação
Olá, sejam bem vindos! Nesta semana em IAEdpraxis vamos explorar como a Inteligência Artificial generativa pode contribuir para uma educação mais equitativa e inclusiva, em termos da acessibilidade de materiais didáticos e tecnologias assistivas de interface.
IA em Foco
Por Marcelo Sabbatini
Uma dos momentos mais enriquecedores em minha jornada profissional no campo da Educação foi quando me descobri professor de uma turma de Licenciatura em Letras-Libras, a primeira de várias. Foi nesse momento que me dei conta não somente de meu despreparo didático para lidar com alunos com necessidades muito específicas, mas de meu desconhecimento sobre a experiência da deficiência física e sobre a cultura surda, especificamente.
Poderia me defender, argumentando forma ampla a cultura brasileira se fecha para a acessibilidade? Por falta de debate e mesmo de convivência social, penso que praticamos uma invisibilidade em relação à deficiência e suas necessidades, apesar dos avanços recentes na legislação. Particularmente, a inclusão educacional plena para pessoas com deficiência continua sendo um obstáculo em muitas instituições de ensino e na Educação.
Retornando a minha experiência, o contato com alunos surdos, junto a uma progressiva inclusão de alunos com algum tipo de necessidade, levou-me a um projeto de tornar a disciplina Fundamentos da Educação mais acessível. Esta matéria é uma matéria comum a todas as Licenciaturas da Universidade Federal de Pernambuco, ou seja, o departamento ao qual pertenço tem uma grande responsabilidade ao oferecê-la. Num trabalho coletivo com outros professores avançamos num plano de disciplina comum, pensando a acessibilidade cognitiva e formatamos todos os textos utilizados para que pudessem ser lidos por ferramentas de tecnologia assistiva.
Mas foi ao me deparar com a necessidade de incluir a audiodescrição em cada uma das imagens - fotos, gráficos, diagramas - utilizadas em apresentações de aula que percebi a dimensão do esforço envolvido. Não somente em termos de tempo, mas de que as descrições atendessem a requisitos técnicos, capturando detalhes relevantes e evitando interpretações dúbias ou tendenciosas.
É neste ponto que entra a Inteligência Artificial (IA). Avanços recentes como a capacidade dos chats "enxergarem" imagens sinalizam para uma experiência educacional mais equitativa. Esta mudança pode operar em dois sentidos: a adaptação de materiais e recursos didáticos de forma a satisfazer os requisitos da acessibilidade e tecnologias assistivas que proporcionem autonomia e meios de superação de barreiras físicas, comunicativas ou cognitivas.
Como modelos de linguagem, o ChatGPT e seus congêneres têm se mostrado particularmente úteis para a criação e adaptação de recursos didáticos
Materiais didáticos acessíveis: transitando entre modalidades de linguagem
Como modelos de linguagem, o ChatGPT e seus congêneres têm se mostrado particularmente úteis para a criação e adaptação de recursos didáticos acessíveis.
Para a comunidade surda, a geração de legendas e transcrições a partir de recursos audiovisuais é um cuidado necessário, que não pode mais ser ignorado. Dessa forma, aulas gravadas, vídeos educativos, filmes, documentários e podcasts - além de toda e qualquer imagem utilizada em apresentações ou textos digitais - passam a incorporar estes recursos tão necessários para a acessibilidade.
Para cegos e pessoas com baixa visão, a audiodescrição opera no outro sentido, passando textos e imagens para a linguagem oral. A possibilidade de geração automatizada de narrações, comentários, descrições detalhadas e transcrições fazem com que materiais baseados em imagem, incluindo texto escrito, passem a cumprir com requisitos de acessibilidade.

A mesma descrição, falada com voz gerada pelo TTS Maker.
A transformação também pode ocorrer no âmbito de um mesmo domínio semântico, isto é, numa mesma modalidade. Como exemplo, a adaptação de materiais textuais em função do nível de complexidade e estilo de linguagem, buscando facilitar sua compreensão. Neste ponto, cabe ressaltar que a inclusão educacional deve ser pensada de forma ampla, incluindo as dificuldades de aprendizagem, a neurodivergência, o público idoso, entre outros. A acessibilidade, não é somente física, é cognitiva.
Além disso, a prática da acessibilidade costuma beneficiar a todos. Quantas vezes não optamos por subir uma rampa de acesso, mesmo não tendo dificuldades de locomoção física? A mesma ideia se aplica a nossa discussão. Ao se tornarem pesquisáveis, as transcrições de recursos audiovisuais possibilitam a navegação, pesquisa e anotação no próprio material. Audiotextos certamente serão bem vindos por estudantes que gastam horas no transporte. E a audiodescrição de uma imagem nos faz perceber detalhes e nos proporciona interpretações que escapam a olhos já saturados de informação.
Finalmente, a transformação de materiais didáticos pode, potencialmente, aumentar a diversidade através de representações culturais específicas, para grupos específicos de alunos. Este uso nos leva ao tema de uma futura edição da newsletter, a inter e multiculturalidade facilitada pela AI.
Superando as barreiras de interface
Mais além da criação e adaptação de materiais didáticos, a Inteligência Artificial tem uso promissor ao ser associada às tecnologias assistivas. Em destaque, algumas possibilidades:
Sistemas de reconhecimento e conversão de voz aprimorados por IA para estudantes com deficiências motoras ou de fala.
Interfaces de comunicação aumentativa e alternativa baseadas em IA para pessoas com dificuldades de linguagem a se expressar e interagir.
Ferramentas de transcrição em tempo real para surdos ou pessoas com deficiência auditiva, facilitando o acompanhamento de aulas e palestras.
Robôs assistivos equipados com IA para auxiliar na mobilidade e na realização de atividades diárias de estudantes com deficiências físicas severas.
Com uma dose de controvérsia, o próprio chip da empresa Neuralink, de Elon Musk, implantado no cérebro de um paciente voluntário busca utilizar as ondas cerebrais como interface para o controle e operação de dispositivos digitais.
Ressalvas
Apesar de seu potencial para a acessibilidade, também precisamos estar atentos para a precisão e confiabilidade dos conteúdos gerados por IA. Erros factuais, interpretações tendenciosas ou descrições imprecisas podem comprometer seriamente o uso destes recursos.
Nesse sentido, a ação de intervenção e supervisão humanas, chamada de "human on the loop", é fundamental. Profissionais especializados, como audiodescritores, continuam necessários para revisar e refinar as produções geradas por IA. Nuances e detalhes críticos não incorporados podem ser identificados por professores que conhecem seus assuntos em profundidade.
E sempre temos as questões éticas mais gerais. A coleta e o uso de dados dos alunos precisam ser realizados de forma transparente e responsável, garantindo a privacidade e a segurança das informações de uma parcela da população que já se encontra excluída. A questão dos vieses, reproduzindo preconceitos num campo tão sensível é outra preocupação. O desenvolvimento e implementação de soluções de IA na Educação precisa estar atenta a estas perspectivas.
Para onde vamos?
A acessibilidade em materiais educacionais é frequentemente negligenciada, apesar de ser um compromisso moral para todos os agentes da Educação. Garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso equitativo ao conhecimento é uma obrigação moral, se não legal: o compromisso de uma educação de qualidade passa pelo atendimento universal.
No entanto, a falta de recursos tem sido um obstáculo significativo para muitas instituições e para os próprios educadores. Assim, as IAs generativas representam um passo para reduzir essas barreiras, permitindo que professores se aproximem da cultura da acessibilidade. Prompts simples podem gerar resultados úteis, ainda que exijam certo "conhecimento de causa", para não atrapalhar mais que ajudar.
Por outro lado, com a progressiva "IAtização" de todos recursos tecnológicos, é de se esperar que a acessibilidade possa ser facilitada. Por exemplo, um programa para a preparação de slides poderia automaticamente criar a audiodescrição, assim que uma imagem fosse inserida.
Penso que não se trata da substituição dos profissionais especializados da acessibilidade, mas de uma primeira aproximação. De despertar a consciência para a necessidade deste esforço. De proporcionar materiais didáticos dotados de acessibilidade, ainda que de forma transitória. Como em outros campos, a IA deve ser uma ferramenta complementar, não uma "solução" que ignore a experiência e o discernimento humanos.
Prompt da Semana
Embora a versão plus do ChatGPT já conte com GPTs especializados para audiodescrição, a exemplo do Accesible Audio Description, sabemos que este ainda é um recurso limitado para a maioria de seus usuários
Assim, um prompt específico pode detalhar os requisitos de uma audiodescrição e vai mais além da descrição. Ele inclui a etapa de interpretação, relacionando a imagem ao contexto de aprendizagem. Acesse agora em nossa biblioteca de prompts para testar e usar.
IA em Prática
Pesquisadores da Universidade Cambridge, no Reino Unido, desenvolveram um sensor robótico integrado à inteligência artificial para a leitura em Braille. Nos testes, a abordagem demonstrou capacidade de leitura com cerca de 90% de precisão, tão rápida quanto a dos humanos. A expectativa é que no futuro esta solução tecnológica seja incorporada a próteses humanas e peças robóticas para impulsionar a comunicação homem-máquina de forma mais inclusiva.
O sistema é constituído de um sensor tátil baseado em visão, uma tecnologia que captura a textura de superfícies por meio de imagens. O sistema também integra IA para classificar caracteres Braille e minimizar erros na identificação de sequência de letras, números e símbolos.
Os autores do artigo no qual a inovação foi apresentada relata que o objetivo da equipe era projetar uma máquina que alcançasse velocidades de leitura mais altas do que as possíveis com métodos tradicionais, com potencial de superação das habilidades humanas.
Momentos de Reflexão
Eu quero que a IA lave minhas roupas e louças para que eu possa fazer arte e escrever, não que a IA faça minha arte e escreva e eu tenha que lavar roupa e as louças.
Circulou bastante nas redes sociais, viralizou, foi traduzida em diversos idiomas. Mas faz algum sentido? A automatização de tarefas físicas foi algo que já ocorreu na Primeira Revolução Industrial. O atual debate da IA diz respeito à automatização de tarefas intelectuais e cognitivas, a exemplo de facilitar a acessibilidade e inclusão educacional. Então, faz sentido este questionamento?
Sua voz é fundamental para enriquecer este diálogo. Sinta-se à vontade para nos enviar suas observações, histórias ou questionamentos através de qualquer um de nossos canais.