Experimentando com Inteligência Artificial
"Colocar a mão na massa" para conhecer os limites e potenciais da IA na Educação
Bem-vindos a mais uma edição da IAEdPraxis, sua fonte de informação para explorar os caminhos da Inteligência Artificial aplicada à Educação.
Nesta semana, vamos falar um pouco sobre o por quê é importante experimentar as IAs generativas e ter, em primeira mão, uma visão pessoal de seus limites e potencialidades.
IA em Foco
Por Marcelo Sabbatini
A súbita explosão do uso público de Inteligência Artificial generativas tem colocado a nós, educadores diante de dilemas, incluindo o temor de que o trabalho docente seja substituído pela máquina. Porém, ao mesmo tempo, o aspecto quase mágico do ChatGPT & concorrentes geram uma curiosidade de experimentação.
O que tenho defendido, como forma de evitar polos opostos de "tecnofilia ingênua" ou "tecnofobia recalcitrante" é experimentar. Testar limites, avaliar possibilidades, com nosso conhecimento de sala de aula, de contextos educacionais reais.
Vejo esta fase de experimentação pedagógica necessária, diria até obrigatória. Apesar de toda a expectativa criada em torno da IA, existem muitas dúvidas e incertezas quanto ao seu real impacto para o ensino e a aprendizagem.
Também é importante que sejamos nós, ao contrário de um político ou de um empresário da tecnologia, que percebamos as reais limitações dessas ferramentas.
Um exemplo, até que ponto uma IA é capaz de produzir um material didático consistente, sem erros e engajador? Quanto este conteúdo supera o "basicão", estabelece conexões com outros conhecimentos?
O lado positivo é que neste momento histórico temos acesso à tecnologia. A cada dia, a competição entre as empresas de IA remove barreiras.
Recordando nossa seção Sujando o Macacão, precisamos colocar a "mãos na massa". Somente assim poderemos ter possibilidade de ter voz para participar de uma tecnológica acrítica, mandada institucional e economicamente.
E quando falo de experimentação, também me refiro a algo mais despretensioso, lúdico, divertido. Prompts que podem beirar o nonsense, por exemplo, que podem ajudar a mostrar as (in)capacidades da IA generativas.
Exemplificando, quando pedi uma análise da letra de “Atirei o pau no gato” utilizando referencial de Foucault percebi que o ChatGPT é um "gerador de lero-lero":
A canção, ao refletir práticas culturais que envolvem a violência e o controle, pode ser entendida como parte dos mecanismos biopolíticos que moldam comportamentos coletivos, definindo normas de interação social e de tratamento dos seres vivos. Assim, práticas culturais aparentemente inocentes podem perpetuar relações de poder e normas sociais que legitimam a violência e a dominação
Já quando a ferramenta de criação de imagens da Google começou a alucinar com imagens demasiadamente diversas, testei o viés de gênero junto com os alunos de graduação. Escrevemos os prompts em inglês, para ter neutralidade, sem nenhuma outra indicação. O resultado foram físicas nucleares, pilotas de avião, soldadas. Não sei se era a proximidade do Dia Internacional das Mulheres mas ficamos com a impressão de viés reverso, se é que isto existe.
Mais recentemente, coloquei à prova a capacidade criativa do ChatGPT e do Claude, desafiando-os a criarem um microconto distópico que incluísse a mítica criatura Sucupira.
Mas, então quer dizer que nunca devo usar texto e imagens GPT, pois ele não sabe/não entende realmente do que está falando?
Claro que não, em muitos contextos e situações é possível usar a IA para a geração de texto coeso, com sentido, teoricamente fundado.
Mas é preciso saber como extrair essa capacidade da máquina, algo que começa por entender sua natureza e seu operação. E para compreendê-las, convém experimentar.
IA em Ação
A Apple anunciou uma nova estratégia de IA, estabelecendo com uma parceria com a OpenAI. A assistente de Inteligência Artificial Siri, grande novidade em seu lançamento, agora estará turbinada com as capacidades do ChatGPT, incluindo entendimento de contexto, ferramentas de escrita, transcrição de áudio, geração de imagens, entre outros. Ou seja, a tendência de integrar IA em tudo e em todo lugar fará com que seja inevitável lidar com ela.
Prompt da Semana
Seguindo a temática da edição de hoje, trazemos não um prompt específico mas uma sugestão de experimentação. Trata-se basicamente de provar gêneros, estilos e "vozes" de escrita sobre um mesmo conteúdo. Sugiro os passos:
Escolha um determinado assunto
Peça para a IA elaborar um tipo específico de produção com base neste tema
Varie o gênero, estilo, formato, etc.
Refine o prompt, se necessário
Analise. Compare.
Como exemplo, fiz um teste lá na alvorada do chatGPT. Enquanto a turma de Ciências Biológicas com foco em Ciências Ambientais preparava um cordel sobre os ataques de tubarão em Recife (que tinham voltado às notícias), usei a ferramenta para o mesmo fim. E logo pedi um rap, um haikai, um soneto do século XVI, um poema concreto e por aí vai.
Neste experimento, mais do que na capacidade e sensibilidade artística da IA estava interessado no conteúdo: o que priorizava, o que deixava de lado, em cada gênero? Como ele relacionava a situação com o contexto, isto é, uma atividade didática realizada por estudantes compromissados com a sustentabilidade?
Para fins de reflexão, deixo vocês com o haikai:
Tubarões em Recife,
Desequilíbrio ecoa,
Homem reflete a vida.
Momentos de Reflexão
Demorou um tempo para que, coletivamente, percebêssemos a natureza aleatória do texto produzido por IA generativa e qual sua implicação na prática. Em determinado momento ofereci esta definição, que a comunidade acadêmica do XTwitter foi gentil em capturar (valeu
).Coloco esta imagem com duplo objetivo. O primeiro é a interpretação evidente, a de que podemos estar tão absortos nos velhos hábitos e formas de fazer as coisas, que não percebemos a mudança quando ela chega.
Mas também por ser um primeiros experimentos que realizei quando o ChatGPT começou a "enxergar" imagens. Eu apenas havia solicitado que fizesse a audiodescrição da imagem, para torná-la acessível em minha apresentação de aula (em tempo, acessibilidade será o tema de uma futura edição).
Ele não somente cumpriu a tarefa, com pouquíssimos erros, mas ofereceu uma interpretação do cartum. Foi um daqueles momentos em que a IA nos dá um susto. O resultado, editado, está na legenda da imagem.
Sujando o Macacão
No espírito de "compartilhar cedo, compartilhar de forma bruta [rudimentar, preliminar]" em relação à IA e à pedagogia, coloquei diversas tarefas e leituras relacionadas à IA deste semestre no Canvas Commons [...] A ideia de "compartilhar cedo, compartilhar de forma bruta" vem de "How do we respond to generative AI in education? Open educational practices give us a framework for an ongoing process" ("Como respondemos à IA generativa na educação? As práticas educacionais abertas nos fornecem um quadro para um processo contínuo").
A professora Anna Mills é uma das vozes que defendem a experimentação com IA e publica regularmente seus resultados e percepções.
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